segunda-feira, 31 de março de 2014

# 3 - Soul Survivor, os Rolling Stones


Enquanto os Beatles desfrutavam da boa vontade de quase todo mundo, coube aos Rolling Stones pagar o preço por terem sido apresentados como uma antítese suja e pulguenta. Claro que os próprios contribuíram muito para que essa imagem fosse propagada, fato que não os ajudou em nada na hora de arcar com as consequências. Embora essa não seja uma história nova, ela na maioria das vezes é contada recheada de clichês. Saiba com mais detalhes como os Stones sobreviveram à má vontade, pancadarias, prisões e até a morte, e passaram de uma banda desprezada ao maior espetáculo da Terra.














por Carlos E. Werlang

O responsável pela impulsão da jovem carreira dos Rolling Stones foi o astuto produtor londrino Andrew Loog Oldham. Ele havia trabalhado diretamente com Brian Epstein e os Beatles no início de 1963, e também esteve envolvido na promoção da primeira excursão de Bob Dylan à Inglaterra no mesmo ano. Esse era o seu histórico quando, em meados de 63, foi até o clube Crawdaddy, em Richmond, e viu os Stones tocar pela primeira vez.

Naquela época, a banda ainda era liderada por Brian Jones e o pianista Ian Stewart. Mas isso não duraria por muito tempo. Sendo um pouco mais velho que os demais, Stewart logo foi sacado por Oldham. O próximo passo seria um contrato de gravação. A Decca Records já havia cometido o bizarro erro de rejeitar os Beatles no ano anterior, porque segundo o gerente da gravadora, Dick Rowe, bandas com guitarras estavam com os dias contados. Desta vez, não precisaram pensar duas vezes.
Ian Stewart e os Rolling Stones














Existe uma conhecida história de que George Harrison teria indicado os Rolling Stones para Rowe depois de os Beatles terem assistido uma apresentação e os conhecido em Richmond. Foi Andrew Oldham, entretanto, quem efetivamente assegurou aos Stones seu primeiro contrato de gravação. Entre os termos, estavam itens que os Beatles não tinham direito em seu contrato com a EMI, como valores mais altos para os royalties, total controle artístico e propriedade das gravações, e a não obrigatoriedade de usar os estúdios da Decca.

Convencido de que John Lennon e Paul McCartney haviam tornado o negócio de compor canções lucrativo, Oldham trancou Mick Jagger e Keith Richards numa cozinha, para sair apenas quando tivessem uma canção. Na biografia Vida, Keith Richards conta que Andrew Oldham pensava que se Mick Jagger era capaz de escrever cartões postais a uma namorada e ele era capaz de tocar guitarra, então eles conseguiriam escrever músicas. Mas não antes de gravarem uma versão de ‘I Wanna Be Your Man’, escrita por Lennon e McCartney, assegurando assim seu primeiro Top 20 na Inglaterra. O primeiro single escrito por eles a chegar ao topo das paradas saiu no início de 1965, ‘The Last Time’. Com isto, a liderança de Brian Jones foi pouco a pouco sendo trocada pela a da dupla Jagger e Richards.
Keith e Andrew Loog Oldham




















Ao se dar conta que eles não se conformariam num formato Beatle, Andrew Loog Oldham decidiu que os Stones deveriam comportar-se como a antítese dos Beatles – nada de artificial aqui, pois Oldham teve o insight apenas os observando. Se os Beatles eram os heróis, os Stones seriam os vilões; foi daí que surgiu a infame pergunta “Você deixaria sua filha casar com um Rolling Stone?” É importante notar que na época muita desta rivalidade era pura propaganda – havia até um acordo mútuo entre os dois grupos dizendo que eles só lançariam singles e discos em datas alternadas, nunca competindo entre si.

A partir daí, sempre que possível, os Rolling Stones seriam vistos cuspindo insultos, agindo de maneira inapropriada e, ao menos aos olhos do showbiz, fazendo tudo errado. Como os Beatles eram queridos por quase todo mundo, ficou fácil para os Stones chocar e desagradar. Um jornal até escreveu que eles eram tão sujos, que era possível contar as pulgas pulando de suas cabeças. Um episódio bem conhecido é a apresentação que Dean Martin fez dos Stones em sua primeira aparição na TV americana. Martin fez piada com o nome da banda, o comprimento de seus cabelos, e anunciou a estreia dos Stones em frente de uma plateia pouco entusiasmada.

O single seguinte resultou no primeiro sucesso internacional. Quando ‘(I Can’t Get No) Satisfaction’ foi lançado no meio de 1965, liderou as paradas do Reino Unido e dos Estados Unidos. O timing perfeito do protesto cínico contra a “informação inútil que deveria disparar minha imaginação” levaram os Stones à influência contemporânea da época. Com o resultado, eles realmente chegavam a outro nível. Nas palavras de Mick Jagger, o sucesso de ‘Satisfaction’ “os transformou de apenas outra banda pequena em uma banda enorme e monstruosa.”

Assim como os Beatles antes deles, os Stones haviam entrado no frenético circuito de apresentações. E depois de tanto tempo na estrada, as performances lideradas por Jagger, Richards e Jones, mais Bill Wyman e Charlie Watts começaram a ficar caóticas. E se de certa forma os Stones experimentavam sua própria mania, ela ultrapassava limites de bom comportamento. Sua música incitava tamanha violência nos jovens reprimidos que estes se juntavam e desafiavam a polícia. Quanto mais a leste seguiam, mais problemas enfrentavam. Em setembro de 1965, os Stones tocaram em Berlin, o último de cinco dias de apresentações. Depois de apenas 20 minutos o show foi interrompido. A plateia lutou contra a polícia pelo controle do teatro, destruindo os assentos e extintores de incêndio. Berlin ficaria vários anos sem receber shows de rock. Conta-se que foi essa a noite em que Brian Jones conheceu Anita Pallenberg.


















O primeiro álbum feito todo de canções escritas por Jagger e Richards foi Aftermath, seu quarto disco, lançado em abril de 66. O quinto, Between the Buttons, veio um ano mais tarde. Os Stones experimentavam grande aceitação com seus discos e singles. As originais Jagger-Richards, temperadas com o peculiar estilo de tocar de Brian, seus instrumentos e sons exóticos, garantiram seu lugar na história como o final da fase inicial dos Stones. De maneira simbólica, Buttons é o último disco produzido por Loog Oldham.

Quando Jagger e Richards foram presos em fevereiro de 67, as drogas certamente não eram novidade. George Harrison e John Lennon, por exemplo tomavam o temido lisérgico desde 65. O palhaço de metedrina Bob Dylan excursionou pela Europa em 66 e passou a maior parte do tempo sem dormir. Syd Barrett liderou o Pink Floyd por clubes psicodélicos como o UFO. Histórias não faltam. A novidade, no entanto, era a polícia tentando acabar com a imunidade do mundo pop. Começou com Donovan Leitch, quando ele foi preso em 66. E continuou quando bateram à porta de Keith Richards, em Redlands.

O tabloide News of the World e o sargento Norman Pilcher uniram forças para armar furos jornalísticos ao prender astros do rock. Até 69, Semolina Pilcher iria prender dois Beatles e suas esposas. Mas naquela época, segundo o que contam, os Beatles eram protegidos pelo título que haviam recebido da Rainha, eles eram Membros do Império Britânico. A polícia então teria esperado George e Pattie Boyd sair da festa na casa de Keith Richards para prender os dois Stones. Verdade ou não, o fato é que mesmo enfrentando vários tipos de situações bizarras, os Beatles ainda se valiam da boa vontade geral. Eles seriam criticados um pouco mais tarde na história. Coube aos Stones pagar o pato. Em maio, foi a vez de Brian. E ele seria preso de novo, quase um ano depois.
















As penas impostas aos dois Stones foram severas. Três meses para Jagger e um ano para Richards. Apelações conseguiram que elas fossem indeferidas meses mais tarde. Como uma das consequências, a banda teve problemas para entrar nos EUA. Em casa, as gravações para o próximo disco também foram afetadas. Andrew Loog Oldham já havia saído. Brian estava cada vez mais fragilizado e logo saberia que sua namorada Anita Pallenberg e Keith Richards estavam envolvidos.

Os Rolling Stones voltaram de sua experimentação psicodélica com o single ‘Jumpin’ Jack Flash’, de 68, o primeiro após a prisão. O interessante é que Keith Richards teve que ser preso para que pudesse assumir o papel que historicamente sempre foi dele. O fora da lei havia nascido. Mick Jagger também estava diferente e seu papel logo cruzaria o diabo, em ‘Symphaty for the Devil’, do disco Beggar’s Banquet. Os Stones tinham gás novo e precisavam seguir em frente. Infelizmente, Brian Jones continuou complicando-se. No filme Crossfire Hurricane, de 2012, Mick Jagger disse que naquela época, ele e Keith usavam algumas drogas, mas Brian usava demais, e dos tipos errados. Ele não conseguia mais funcionar como músico. Anos antes, Brian havia falado em uma entrevista, “vamos ser honestos, o futuro como um Rolling Stone é muito incerto.” E então em junho de 69, Brian Jones foi tirado da banda que ele havia ajudado a criar.
Brian, Anita e Keith, por Michael Cooper
















Menos de um mês depois os Stones se preparavam para um grande concerto no Hyde Park, em Londres. Seria um aquecimento para a excursão americana que viria a seguir com Mick Taylor, um guitarrista inglês de apenas 20 anos. Dois dias antes do concerto, Brian foi encontrado afogado em sua piscina, dando final a uma história que já havia sido anunciada. A banda teve que endurecer para conseguir dar conta das 500 mil pessoas que foram ao parque ver o show, que a essa altura, havia virado uma elegia a Brian Jones.

No fim do ano os Stones finalmente se apresentam diante do público americano. A última vez havia sido em 66. The Rolling Stones American Tour 1969 aconteceu num momento em que os Beatles já estavam em vias de se separar e por conta disso, num óbvio declínio. A situação dos Stones era oposta mais uma vez. It’s a gas, gas, gas!
















A excursão terminou na terrível confusão causada em Altamont, onde uma pessoa morreu e várias outras apanharam. Diz-se que aí aconteceu o enterro da geração de Woodstock e dos geniais anos 60. Para os Stones, seria apenas mais uma das várias cicatrizes.

Quando os Beatles se separaram, os Stones assumiram o fardo de ser a banda mais importante do mundo. Nos anos que se seguiram eles trocaram novamente de guitarrista, foram presos algumas outras vezes e ainda quase morreram pelos excessos que cometeram, mas seguiram em frente e hoje, 50 anos desde a formação da banda, os Rolling Stones são a maior banda em atividade.

No vídeo abaixo, uma performance de 'The Last Time', o primeiro número 1 escrito por Jagger e Richards, em um concerto na Irlanda, 1965.